Os chicotes daquela época eram entremeados com ossos de animais e couro, de maneira a arrancar a pele no momento em que a pessoa era torturada.
As doze primeiras chicotadas provocavam dores terríveis. Nas doze chicotadas seguintes, a dor era comparada a chumbo derretido colocado em ferimento aberto. Nas outras doze, a pessoa perdia o controle do aparelho digestivo, e urinava devido à grande intensidade da dor.
A vítima de duas quarentenas-menos-uma (setenta e oito chicotadas) sofreria sequelas neurológicas para o restante da sua vida. Já quem tomasse acima de três quarentenas-menos-uma (117 chicotadas) morreria.
Mas Paulo tomou cinco quarentenas-menos-uma.
Cento e noventa e cinco chicotadas.
Um torrão árido, poeira sedimentada pela desolação. Não maior que 60 acres, com não mais de 480 pessoas. “Nazaré?! Poderá vir algo bom de Nazaré?”
Um gago tímido para falar pelo seu povo. Um rapazinho pastor de ovelhas a derrubar experiente gigante da guerra. Um jovem rejeitado por sua família, vendido como escravo, a governar uma Potência.
Se Deus se revelasse na plenitude de sua glória (shekinah), seria humanamente impossível deixar de reconhecê-la. Como um sol à retina, não se pode ignorar fulgurante verdade (emeth). Isso exclui a possibilidade de escolha prévia, e afasta as condições para um relacionamento de amor e confiança.
Se aceitarmos essa premissa, passo a considerar seu princípio em uma situação oposta. Quando tudo nos parece trevas e o padecimento sugere nenhuma outra vicissitude – senão sucumbir ou rogarmos em agonia, por alguma porta de saída. Quando tudo parece perdido, em sua noção ontológica, existirá fé? Ou o clamor e relativa confiança muito se aproximam de um desespero de causa ou ausência de perspectivas outras?
Talvez essa dúvida expresse, com justiça, outra mais propalada: “Para onde iremos nós, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna.” Para onde mais poderá escapar a presa, quando uma só rota de fuga lhe resta? Nesse caso, houve “escolha”?
Aceito que a esperança encontra seu mimetismo, de forma sutil e fascinante, na surpresa do próprio antagonismo. Entrementes, estaria ela vinculada a uma dissociação lúcida, certa decisão volitiva – e não compulsória pela adversidade ou carência de alternativas. Enfim, um gesto de confiança não necessariamente para com o objeto imediato do anseio (um resultado improvável porém previsível, v.g., como um milagre), mas uma pacífica resignação da transcendência do objeto. (Deus está no controle. Eu não sei o que virá, mas sei quem é o meu guia. Ele tem interesse pelo meu real desenvolvimento. Ele sabe o que é melhor para mim. EU SEI EM QUEM TENHO CRIDO.)
Agradecimentos ao Pe. Fábio, do IMT, pelo teor interativo e multifacetado de suas aulas.
“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamento de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais. Então, me invocareis, passareis a orar a mim , e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de vós, diz o Senhor, e farei mudar a vossa sorte.” Jeremias 29:11-14
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