Estou definhando na solidão urbana. Nada sério. Prédios, carros, barulho, multidões. Todos estranhos uns aos outros. Decrépito, reciclo as mesmas coisas, tragédias anunciadas e repetidas à porfia. Meus olhos estão cansados, registros vítreos de um semblante anacrônico. Envelheço sendo surpreendido dia a dia com aquilo que já se tornou trivial.
A Humanidade foi a Lua, separou o átomo, fabricou computadores, desvendou abismos oceânicos, inventou a beleza das Artes. Hoje reeditamos Deus, manipulamos o material genético com extrema desenvoltura. Somos titãs enfurecidos em nossa tecnologia consumista. Com ela, tudo fica obsoleto. Somos heróis proficientes de desafios impossíveis. Brilhantes, apenas não conseguimos ser justos. Inteligentes, criativos. Mas não sábios. Acusam-nos os trilhões gastos em armamento de pulverizar o planeta - “diversas vezes”, como se possível fosse matar muitas vezes o mesmo cadáver. Enquanto deflagramos voluntariamente a agressão suicida contra uma moribunda natureza. A poluição como detalhe do “progresso”.
Simplório ou ingênuo, néscio e frívolo, hoje sou o óbvio das pessoas descartáveis, resíduos sociais, clientela abjeta do camburão e da pornografia. Coisa comum, incorporada ao cenário feito uma criança ao relento. Um engraxate a dormir no relento das ruas. Não é filho nosso, sequer é parente. Dorme agachada essa criatura. Fosse uma raridade, poderíamos despachá-la para algum zoológico. Claro, melhor é a liberdade urbana, entre outros bichos cloacais, nas calçadas escuras do nosso charmoso inverno sulista. O Minuano a lhe ninar. Encolhida, num canto (cadê o caminhão do lixo, a gente paga impostos pra quê, afinal?!). Porém é trabalhador. Estará dormindo o doce sono dos justos? A caixa de engraxate está ao lado. Amarrada em uma das mangas da sua blusa. Afinal, inclusive ela podemos tirar do guri.
Coisa comum. Coisa. Um nada ou um estorvo. Ainda não sei bem.
A cada dia, centenas dessas coisas a rebaixar estética urbana, a trazer expressões borradas à nossa arquitetura. Saco!
Hoje sou um dinossauro. Nasci no século passado (no milênio passado!). Acreditem ou não, vim ao mundo sem a ajuda da Internet! Provavelmente eu nunca compreenderei esta era autofágica.
Sou um monstro expurgado de algum museu. Que poderia dormir sentado, dentro da caixinha de lustrar sapatos daquele menino.
“Um mendigo é uma tragédia. Milhares de mendigos são apenas uma estatística.”
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