Reflita
acerca disto: você recusaria ser proprietário(a) de uma cintilante Ferrari, que acaba
de sair da fábrica, porque 2% dela são diferentes das demais? Ou então
consideraria como inconfiável, um supercomputador que responde corretamente 9.999
de 10.000 perguntas quaisquer?
Quando
observo a mim mesmo (nas raras vezes em que consigo estômago), tento disfarçar
certo nervosismo, engolindo em seco o breve desespero que me assalta. Minha
imperfeição é algo nauseabundo, provocando-me dor, indignação, tristeza e raiva!
Ainda que eu ficasse um dia inteiro encerrado no quarto, sem fazer mal algum às
pessoas, ao final sentiria uma vergonha esmagadora – pois novamente teria
deixado de fazer o bem ao meu alcance. Tenham assim uma vaga noção, apenas,
sobre as dimensões do meu desconforto, quando reconheço que TODOS
OS DIAS eu deixo de fazer
o meu melhor, de ser exemplo motivador aos demais - diariamente eu fracasso, em
meu compromisso de praticar aquilo que eu já estou sobrecarregado de teorizar. Enfim...
Quando eu sou alvejado pela montanha de incompetência aqui abrigada... Neste
desperdício de recursos que leva o meu nome... Caramba, eu realmente fico
extasiado, tão somente ao imaginar a felicidade em ser 30% menos tosco. Meu
contentamento beira uma fantasia escapista, alienação fugaz que anestesia as
mazelas de ser a criatura diante do espelho. Satisfação tão efêmera como um
orgasmo memorável. Pois logo sou esbofeteado, achincalhado e esculachado pelo
despertar da besta-fera consciência. Ah, o peso de seus vereditos sobre a corcunda de minha parca moral!
Como
sou patético... Eu cá me esvurmando a alma, cabelos desgrenhados e expressão
grave, para aborrecimento, desdém e sonolência de meus dois ou três leitores. Basta
(seu bosta)! Em preito à minha amada plateia de indiferentes, enforco o
trololó. Avante, com a devida atenção às excelsas frugalidades do cotidiano,
sigamos o protocolo: providencio, finalmente, voz ao leitor, na coerência que
poucos lunáticos-de-amarrar ousam nestes dias suspeitos. Você, querido Tibúrcio/estimada Pafúncia,
deve ter respondido negativamente ao questionário que inaugura essa insensatez.
Refaço-o, pois, com as alterações (im)pertinentes: E se os 2% da reluzente
Ferrari estivessem ocultos? Ainda, nesse caso, tardiamente fossem encontrados
no complexo sistema de frenagem do bólido italiano? (...) Quanto ao
supercomputador, máquina notável que parece tudo conhecer e não é a minha
esposa, bem, que tal supormos que a única pergunta que ela não soube responder
de modo escorreito foi... “Você sempre diz a verdade?”
Vamos
nos poupar. Talvez essa lenga-lenga seja amordaçada pela obviedade sinótica –
tudo isso para lembrarmos que, em muitas ocasiões capitais de nossas vidas, “quase”
não é o suficiente. Não importa o quanto tenhamos lutado e progredido. Ao final,
de nada adiantará ter sido “quase salvo”, “quase vencedor”, “quase honesto”, “quase
sobrevivente”, “quase bíblico”, “quase obediente”, “quase fiel”, “quase santo”.
Observe
as pequenas coisas, os detalhes intrigantes em tudo ao nosso redor. Menos de 2%
do nosso DNA humano nos separa dos chimpanzés. Somos bilhões de criaturas
singulares, todas parecidas e diferentes a um só tempo. Sim, Deus espalhou suas
digitais mundo afora, sutilezas que gritam, assinaturas geniais do
Incompreensível. E saiba que, em mais vezes do que se imagina, o pouco é
decisivo.
(Acordo
de madrugada, transpirando e agitado, com o trovão suavemente rompido em minha mente: “Um
pouco mais de coragem. Um pouco mais de esforço. Um pouco... Um pouco mais para
não continuar como pouco.”)
CLEBERTON (Xexéu) apoia: www.mudeumavida.org.br (filiado aoACTIONAID)
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